
Setembro amarelo e prevenção ao suicídio

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O que significa Setembro Amarelo?
Desde 2014, a Associação Brasileira de Psiquiatria – ABP, em parceria com o Conselho Federal de Medicina – CFM, organiza nacionalmente o Setembro Amarelo. O dia 10 deste mês é, oficialmente, o Dia Mundial de Prevenção ao Suicídio.
É o período em que são divulgadas campanhas para alertar e prevenir suicídios, servindo tanto para as pessoas que se encaixam no grupo de risco, quanto para as que convivem com elas.
O Setembro Amarelo surgiu com a história de Mike Emme, nos Estados Unidos. O jovem tinha um Mustang 68 que ele tinha pintado de amarelo. Em 1994, com 17 anos, ele cometeu suicídio. No funeral, os amigos prepararam uma cesta com cartões e fitas amarelas escritas “se precisar, peça ajuda”. A ação começou a se propagar em todo o mundo. Dessa forma, a fita amarela se tornou um símbolo do programa que ajuda pessoas que têm pensamentos suicidas. A data 10 de setembro foi escolhida pela OMS (organização mundial da saúde) como sendo o dia mundial.
Qual o tamanho do problema?
A OMS estima que 800 mil pessoas tiram as próprias vidas anualmente. Uma a cada 40 segundos não aguenta o fardo, dor, tristeza, desesperança e se auto terminam. No Brasil, são 11 mil por ano.

A maior incidência de suicídios em países de média e baixa renda não indica uma relação direta pois, proporcionalmente, há mais países nessa condição. Em outras palavras, é um problema globalizado. Tanto em países ricos quanto pobres, por razões diferentes, as pessoas se suicidam. No entanto, a questão é mais complicada de se analisar, considerando que os de média e baixa renda estão sujeitos a morrer de outras formas, como desnutrição e doenças.

Pessoas com boas condições financeiras, com acesso à saúde, educação, segurança, estabilidade social e saneamento, também padecem do mesmo mal, indicando a variedade de causas e motivos que podem levar ao suicídio.
No mundo, é a segunda causa mais comum de morte entre pessoas na faixa de 10 a 24 anos. A primeira são acidentes de trânsito. Entre as mulheres, é a principal causa de morte entre os 15 e 29 anos.
Já no Brasil, entre pessoas 15 e 29 anos, é a terceira maior causa, ficando atrás de acidentes de trânsito e homicídios. Apesar disso, em números absolutos, mais idosos tendem a cometer o ato. Veja os números para cada 100 mil habitantes (ano 2016).
- 10 – 14 anos = 0,7
- 15 – 19 anos = 3,9
- 20 – 29 anos = 6,4
- 30 – 59 anos = 7,6
- Mais de 60 anos = 8
Considerando que a população idosa é menor, são números bem expressivos e preocupantes.
Veja alguns dados por estado:

A proporção de suicídios em relação à população tem se mantido estável no mundo. No entanto, no Brasil houve um crescimento de 30% nos últimos 25 anos.
Um levantamento feito pela Unicamp mostra a distribuição de suicídios pelo método utilizado de acordo com o sexo:

Creio que a prevalência do enforcamento venha pela eficácia. Outros métodos podem não causar a morte, apenas machucados. Mulheres tentam mais vezes que homens, mas a maioria não conclui a ação (recebem atendimento adequado nas primeiras tentativas).
Principais motivações
As atividades durante o Setembro Amarelo trazem à tona para discussão as principais motivações, gatilhos e sinais que indicam potenciais comportamentos das pessoas com tendência ao suicídio. Na maior parte dos casos é o conjunto genético, psico e social que se sobrepõe e se auto alimenta, aumentando os riscos.
- Distúrbios mentais.
- Pobreza.
- Orientação sexual (gays, lésbicas, transsexuais, outros).
- Impulsividade.
- Bullying.
- Casos de suicídio na família.
- Histórico de abuso sexual.
- Problemas familiares como divórcio ou morte dos pais.
- Dificuldades de interação social.
- Baixa autoestima.
- Isolamento social.
Grupos de risco
Pelos dados estatísticos, consegue-se inferir quais grupos têm maior probabilidade de auto terminação:
- Pessoas com dor crônica tem 3 vezes mais probabilidade de se suicidarem que a população comum.
- Problemas com álcool e drogas faziam parte da vida de um em cada três brasileiros que se mataram.
- Suicídios na família eleva a probabilidade para cinco vezes mais entre os outros membros. Se for um filho/a, aumenta para seis vezes.
- No Brasil, de cada cinco suicídios, quatro foram cometidos por homens, o que faz com que o sexo seja considerado fator de risco (embora eu discorde, pois creio que seja mais consequência do que causa).
- Entre médicos, devido aos conhecimentos técnicos, stress e acesso á substâncias letais, a proporção é cinco vezes maior.
- Indígenas, presos e moradores de rua o risco é de duas a sete vezes maior que o restante da população.
- Entre gays e bissexuais o risco é cinco vezes maior em relação aos héteros.
- Obviamente as que sofrem de distúrbios psiquiátricos ou psicológicos fazem parte do grupo de risco, compreendendo mais de 90% dos casos, sendo 40% relacionados à depressão.
Sentimentos, emoções e padrões de pensamento
Embora conhecidos e catalogados, os padrões de pensamento e emoções que levam as pessoas à desejarem a morte podem ser contestados pelo caráter subjetivo das experiências, pois cada uma sente à sua maneira. Eventos similares podem desencadear efeitos bem diferentes de acordo com histórico individual de cada pessoa.

Mitos x verdades
Apesar do pensamento sobre tirar a própria vida deva passar pela cabeça de todo humano em determinado momento durante sua existência, a discussão do assunto ainda é um tabu. Há uma rotulação de fracasso, fraqueza e incapacidade que deixa um estigma nos que tentam o suicídio ou nos familiares que perderam algum ente querido.
Mesmo falar a respeito de suas dificuldades e angústias pode ser constrangedor. Pior, dependendo dos ouvidos em que o assunto cai, pode até agravar a situação, com a condução errada e julgamentos precipitados. Isso faz com que muitos sofram calados… até que resolvam não sofrer mais.
Desta forma, criam-se expectativas e opiniões distorcidas sobre o assunto.
Um dos materiais da campanha do setembro amarelo aborda alguns dos mitos e verdades sobre o suicídio.

Experiências
O que relato abaixo são MINHAS OPINIÕES e pensamentos sobre o assunto, tendo em vista meu histórico com depressão. Não pretendo dizer o que é certo ou errado nas abordagens porque não sou profissional de saúde, mas apenas acrescentar mais algumas coisas para discussão. Possa ser que sirva para ajudar alguém.
Talvez se interesse pelos posts que escrevi sobre: depressão por um deprimido e transtornos de ansiedade e depressão.
É constrangedor tocar no assunto, pois imediatamente vem o sentimento de fracasso e incapacidade mental. Ao mesmo tempo parece apelativo, como se estivesse tentando chamar a atenção. No meio disso reside o perigo: o orgulho. Parece contra intuitivo pensar que alguém que imaginou terminar com a vida se preocupe com orgulho próprio e com a opinião alheia.
Há uma vergonha embutida ao conversar a respeito, com quem quer se seja, pois deixa escancarado que não tenho as ferramentas adequadas para lidar com a situação. Percebo como fraqueza mental, seja falando ou ouvindo alguém reclamando sobre o assunto. Eu fiz as escolhas, eu sou o responsável por estar onde estou e deve ser eu quem precisa achar o caminho de volta. Orgulho. (É até pretensioso pensar desta forma, como se eu tivesse controle sobre minha genética, sobre o ambiente e sociedade).
O antídoto é ter a humildade de reconhecer o problema e pedir ajuda. Me peguei muitas vezes com pensamentos nocivos repetitivos mas, uma vez expressados, soam ridículos soam vazios. Dentro da cabeça parece fazer todo o sentido porque é o conjunto pensamento-emoção dando contexto. Sente-se no corpo, nos ombros, peito, garganta, nuca, costas. E no estômago, principalmente no estômago. Ideias não “digeridas”, coisas que não aceito, que ficam lá, consumindo energia, sem serem dissolvidas para absorção.
Mas um vez ditas, parecem perder a força. É quando se dá conta do que realmente está acontecendo internamente, o quanto está sendo patético com seus pequenos dilemas distorcendo ou aumentando os problemas, que podem ou não ser reais. Então fale, ponha para fora. Ou escreva, como venho fazendo. Só não guarde para si.
Uma coisa importantíssima que aprendi no processo (e nos tratamentos psicológicos como um todo) é o autorreconhecimento do problema. Psicologas bem treinadas muitas vezes sabem a resposta para algum dilema do paciente, mas não contam. Conduzem de forma que ele chegue nas conclusões, que ele junte as peças, que faça sentido para ele. Imposição de ideias goela abaixo não funciona.
Se alguém vier te contar alguma a insatisfação com a vida em um grau acima do normal (pessoas gostam de reclamar), entenda que foi feito um esforço enorme para ela se abrir. Se sentir que não tem habilidade ou capacidade para ouvir empaticamente, tente encaminhar para alguém melhor preparado. O mais importante é não cometer os seguintes erros:
- Não menospreze ou diminua o problema alheio. O que pode ser pouco para você é muito para o outro. Não diga coisas como: “pare de frescura, rapaz!”; “você está é com muito tempo livre, isso sim, para ficar pensando nessas bobagens”. Dar chacoalhações ou lições de moral pode agravar ou precipitar as ações.
- Não dê corda ou valor para os excessos de linguagem e expressões de baixa valia, de autocrítica ou de martírio que possam te contar. Pode reforçar as crenças negativas e alimentar a vitimização. Apenas ouça e, se possível, pergunte empaticamente se realmente é verdade o que está sendo dito ou se não são exageros (na grande maioria dos casos são, as chamadas disfunções cognitivas).
- Não faça a pessoa sentir mais culpa. Não diga coisas como: “atentar contra a vida é pecado. Deus não gosta”, “Deus te criou. Só ele sabe a hora da sua morte”; “você vai fazer fulano sofrer muito”; “você tem tudo na vida e está reclamando”. Isso é péssimo porque joga o foco para uma terceira pessoa, tirando a importância dos sentimentos que te contaram.
- Não solicite a um estranho que converse diretamente com a pessoa com problemas, sem ter discutido o encontro previamente. A intenção pode ser boa, imaginando que o estranho tenha experiência com casos assim, mas é intrusivo demais. Pode fazer com que a pessoa se retraia mais, além de ser um quebra de confiança.
- E por falar em quebra de confiança, não espalhe os problemas alheios de forma banal, como se discutisse o capítulo da novela. Se alguém que não deveria saber do assunto perguntar sobre a situação da pessoa, pode aumentar a vergonha e angustia, e reforçar que não dão o devido valor para o que sente.
- Não desafie a pessoa a seguir em frente com a ameaça de suicídio, como se fosse um blefe só para chamar a atenção. Não diga: “vai lá, duvido!”, “você não tem coragem”. Isso pode gerar um ato impulsivo e fatal.
- Falar “você não está sozinho”, “muitas pessoas gostam de você”, “você é muito especial”. Não trate deprimidos com condescendência ou como se fossem coitados, vítimas ou pior, como idiotas. Só torna a conversa mais constrangedora. Algumas iniciativas durante do Setembro Amarelo, apesar de terem boas intenções, são mal conduzidas, causando mais repúdio do que empatia. A eficácia depende muito dos motivos de cada um.
O que se pode fazer para prevenir que o ato ocorra?
Talvez o mais importante, e foco do Setembro Amarelo, é justamente conscientizar e preparar melhor as pessoas para reconhecerem padrões e saber como lidar em casos do tipo.

Algumas frases comuns que podem indicar futuros problemas:

Obviamente que depende muito da frequência e contexto em que são ditas. Elas isoladas não dizem muito.
Alguns comportamentos e situações que merecem atenção:

Se houver a desconfiança de que alguém possa querer se matar, siga as recomendações:
- Não deixe a pessoa sozinha.
- Avise familiares, amigos, vizinhos para que fiquem atentos.
- Se possível, elimine do local ou restrinja o acesso à meios que possam ser usados para cometer o ato, como objetos afiados e perfurantes, remédios, pesticidas e venenos, cordas ou fios e, claro, armas de fogo.
- Restrinja também acesso à lugares altos ou que tenham água, como piscinas.
- Não permita que a pessoa dirija, muito menos sem acompanhante.
- Não se abstenha ou ignore achando que não é nada de mais.
Finalizando
De todas as espécies animais, o homo sapiens é a única que atenta contra a própria vida por ser capaz de pensar sobre a morte, imaginar coisas que não existem e fazer planos (talvez não seja tão “sapiens” assim). O que é virtude também é maldição para alguns.
O sofrimento é parte fundamental da natureza animal, como forma de sinalizar o que está errado, punindo, através da dor, comportamentos autodestrutivos ou nocivos. A dualidade que experimentamos, a forma analógica de pensarmos é baseada nisso. Só podemos ter alegria se soubermos o que é o sofrimento.
Infelizmente, em alguns de nós, há um desequilíbrio na forma de perceber o sofrimento, tornando-o insuportável a ponto de desejar a morte para por um fim a ele.
Campanhas e iniciativas como o Setembro Amarelo são importantes para ajudar os que não conseguem lidar adequadamente com a dor e ensinar as pessoas como identificar e manejar casos de potenciais suicidas.
Você também pode ajudar. Basta ficar atento ao redor e ouvir.
Fontes: BandNews, Setembro Amarelo.com, WHO (organização mundial da saúde OMS)