
O poder do hábito e a depressão

Hábito: substantivo masculino
- 1.maneira usual de ser, fazer, sentir; costume, regra, modo.
- 2.maneira permanente ou frequente de comportar-se; mania.
Todos nós temos hábitos. Aliás, não só nós humanos, mas os demais animais, plantas e até pedras; eventos meteorológicos, sísmicos, planetários, estelares, enfim, basicamente tudo no universo. Todas as coisas têm seu modo peculiar de agir e responder à estímulos internos e externos. A repetição desses modos é chamado de hábito.
Os hábitos são moldados pelas formas mais simples, atraentes, óbvias e que consomem menos energia ao se fazer algo. São as coisas mais recompensadoras ou que eliminam tensões e resolvem conflitos. As leis da física, no nível mais básico, ditam as regras do jogo, abrangendo de buracos negros ao funcionamento de cérebros.
Como veremos adiante, a formação de um hábito tem um ciclo bem definido de etapas que são seguidas, sendo regida de acordo a com necessidade/desejo e recompensa/resolução de determinada coisa. Isso acontece consciente ou inconscientemente. No caso específico de pessoas que sofrem de depressão, há um desbalanceamento nas percepções envolvidas nesse ciclo que, se não resolvido, leva à um loop espiral descendente na qualidade de vida.
Neste texto, serão abordadas algumas relações entre os hábitos e a depressão, incluindo:
- Como os hábitos levam à depressão e ansiedade
- O hábito da prescrição de remédios
- Os efeitos das medicações no ciclo dos hábitos
Mas antes, vamos ver como os hábitos são criados.
Ciclo da formação de hábitos
Nossos cérebros estão constantemente tomando micro-decisões, de acordo com estímulos externos, internos, crenças, necessidades e obrigações. O desenrolar das ações, posterior reflexão e memória, ajustarão a conduta para a repetição ou não do ocorrido. Se foi uma coisa boa, tenderá à repeti-la; se for ruim, vai evita-la. Em cada repetição, há um ajuste para tornar o ciclo mais eficiente ou ineficiente, de acordo com a intensidade do resultado.
Para a formação de bons ou maus hábitos, são necessárias 4 etapas, que formam um ciclo:
- Gatilho, deixa, pista, estímulo sensorial (“cue”, em inglês).
- Desejo, fissura, vontade (“craving”, em inglês).
- Ação, rotina, método, reposta (“response”, em inglês).
- Recompensa, alívio, satisfação, prazer (“reward “, em inglês).

Por exemplo, eu vejo um chocolate na prateleira do mercado. “Humm, parece bom” – penso eu. Compro e como. Sinto prazer. Sentirei vontade de comer novamente quando eu voltar ao mercado e passar pelo mesmo lugar ou seu eu ver a embalagem do produto em uma propaganda.
A velocidade da adesão de um hábito depende de:
- A – Farta disponibilidade de gatilhos.
- B – Intensidade do desejo ou atratividade.
- C – Facilidade de execução da rotina.
- D – Nível de satisfação e tempo de obtenção da recompensa.
Se A, B e C forem inexistentes, insuficientes, cansativos, impraticáveis ou dispendiosos, não formará um hábito; se D for insatisfatório, não haverá repetição.
O mesmo se aplica para bons, neutros ou maus hábitos. Se você repete as mesmas coisas, ou incorre nos mesmos erros, chamando isso de azar ou destino, saiba que seu cérebro está no piloto automático.
Como o ciclo do hábito gera depressão e ansiedade
O aumento do número de casos de depressão e ansiedade, que assola a população mundial há algum tempo, é, em grande parte, em decorrência da facilidade da dispersão das informações. Com mais estímulos e maior oferta de conhecimento de coisas que existem para se ter, ver e ser, há uma enxurrada de desejos ativados.
Como o destaque é dado aos extremos, tanto positivos, quanto negativos, é comum das pessoas acreditarem que o mundo ao redor é desta forma, que a maioria são bonitos, fortes, saudáveis, descolados, atraentes, engraçados e populares. Se tiverem os produtos X, Y e Z se destacarão em meio à multidão, tendo os privilégios correspondentes. São chamados de “estímulos supranormais”.
O problema é que o mundo real não é igual às propagandas, e nem a majoritária parte das notícias refletem o cotidiano e frequência de eventos que experimentamos no decorrer de nossas vidas. Mas, infelizmente, não é assim que percebemos ou lidamos com a realidade. O cérebro é facilmente enganado, pois ainda tem a morfologia de 70 mil anos atrás, adaptado para um número limitado de estímulos. Na época ancestral, não havia grandes “Ms amarelos” nas ruas, nem batatas fritas salgadinhas, crocantes por fora, macias por dentro, em caixas vermelhas.
Desta forma, cria-se expectativas e desejos inalcançáveis, formando constantes insatisfeitos: todos conseguem, menos você. Para tudo existe um método e uma receita de sucesso. Está tudo lá nos jornais, na novela, no Facebook, Instagran e tutoriais do Youtube; se você não consegue, é porque você é incompetente, não saber ler e seguir passos simples. Essa crença nefasta gera DEPRESSÃO.
Além disso, existe o desejo nato de pertencer à um grupo social. Logo, faremos de tudo para sermos aceitos (seguindo a moda). Quando negado o acesso, sente-se frustração.
O hábito se forma pela abundância e facilidade de acesso às informações que ativam diversos gatilhos, gerando vontades e desejos. Nesta parte, a antecipação pela satisfação ou recompensa, causada pela liberação do neurotransmissor dopamina, faz com que entremos em ação para tentar obter o prêmio. Isso gera ansiedade.
Este é um ponto importante que vale a pena ser repetido: O QUE NOS MOVE, É MAIS A ANTECIPAÇÃO DA RECOMPENSA, DO QUE ELA EM SI MESMA. Pense quantas vezes ansiou por férias, mas quando teve o tempo, não fez nada, ou não foi tão bom como imaginava; aquele super jogo de futebol que esperou a semana toda para ver, passou num instante, num mero zero a zero.
Outro exemplo: viciados químicos comentem crimes (entram em ação) para obter a droga em decorrência da fase do desejo, e não durante (ou logo depois) da dose (recompensa).
O querer é mais ativo no cérebro do que o gostar.
Se seus gatilhos são constantemente ativados, sentirá muitas vontades, ficará ansioso para fazer tudo o que acha que precisa fazer. Se não consegue, fica chateado e triste. Assim, sucessivamente, a cada nova exposição à um estímulo. Como tempo, tende a se isolar e se alienar, pois lidar com fracassos seguidos é doloroso demais. Um novo hábito é formado, bem como um novo deprimido.
Hábito de consumir remédios para depressão e ansiedade
Já que é fácil cair na armadilha de ser estimulado e não conseguir o que se deseja, é necessário um antídoto para melhorar a vida das pessoas. Uma multidão deprimida não é economicamente ativa, logo, é preciso coloca-la de volta no jogo do consumo. Mais ainda, é uma mina de ouro à ser explorada.
Conforme aumentava o número de casos de deprimidos e ansiosos, indústrias farmacêuticas se debruçaram para conseguir uma solução. E conseguiram. E a solução veio na forma mais simples e cômoda para os acometidos dos transtornos: basta tomar um comprimido e os problemas desaparecerão como mágica. Nada de esforço ou mudanças radicais na vida. Não. Apenas tome isso e vá ser feliz.
A dinâmica é mais ou menos assim:
- Sente-se mal ou desanimado pelas expectativas não coincidirem com os resultados.
- Mudar comportamentos, padrões de pensamento e emoções por si só é difícil. Decide que é mais fácil pedir ajuda.
- Procura um médico para expor os problemas.
- O doutor ouve e sugere uma série de mudanças na rotina.
- Você sai contrariado porque terá que se esforçar para mudar. Tenta um pouco e desiste. Volta ao médico.
- Cansado da lamúrias do paciente, o médico prescreve remédios.
- Você gosta dos remédios. Eles fazem o trabalho por você. Mudam seu humor e, em consequência, seus hábitos.
- No retorno, informa ao médico que está melhor. Ou quase. Ajustes são feitos.
- Pessoas percebem que seu comportamento mudou, que está melhor. Você gosta deste feedback. Continua com os remédios.
- Você fala dos remédios para outras pessoas com problemas semelhantes. Elas buscarão a mesma solução mágica.
- Um maior número de insatisfeitos com pequenas vicissitudes na vida procurarão psiquiatras, pois sabem que receberão as receitas.
- O médico sabe que é mais prático e rápido dar remédios, afinal, é o que os pacientes querem.
Claro que essa é uma descrição exagerada, e que existem variações de necessidades reais de pessoas doentes e profissionais de saúde comprometidos em dar o melhor tratamento possível. No entanto, em linhas gerais, é assim mesmo que funciona.
O que parecia/deveria ser uma solução à curto prazo, tornou-se parte da cultura. Um hábito com as 4 partes do ciclo bem definidas.


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Influência do consumo de remédios para depressão na formação de hábitos
Vimos o quanto a prescrição e consumo de remédios para depressão e ansiedade são cômodos para todos. No entanto, um ponto importante, e objetivo principal deste texto, é demonstrar que as medicações afetam as percepções dos gatilhos, desejos, ações e recompensas. Em outras palavras, os hábitos novos ou alterados são regulados por uma química cerebral que, em última instância, é artificial. É você mesmo que está no controle de sua vida?
Vou explicar melhor, contando um experiência recente que fiz comigo mesmo.
Um dos três remédios que tomo diariamente para controle da depressão e ansiedade chama-se cloridrato de bupropiona (com nomes comercias de Bup, Zetron XL, Bupium, Noradop, Seth, entre outros), que é um inibidor de re-captação de noradrenalina e dopamina. Como descrito anteriormente, a dopamina é o que controla o nível de desejo por uma recompensa e precursora das ações.
Pois bem. Desde que comecei à toma-lo, cerca de um ano e meio atrás, meu nível de atividade mental aumentou muito. Meu desejo por fazer coisas disparou. Friso desejo, pois não refletiu em ações concretas propriamente ditas. Só fui compreender o que se passava comigo pouco tempo atrás (motivo de escrever sobre o assunto).
Em um estudo feito na década de 50, pelos neurocientistas James Olds e Peter Milner, revelou os processos neurológicos da fissura e desejo. Implantaram eletrodos nos cérebros de ratos que bloqueavam a liberação da dopamina. Para a surpresa dos pesquisadores, os ratos perderam a vontade de viver. Não comiam, não faziam sexo, não desejavam nada. Depois de alguns dias, os ratos morreram de sede.
Perceberam ainda que, ao dar aos animais soluções de água com açúcar, os bichos respondiam adequadamente ao estímulo sensorial do prazer correspondente. Ou seja, não deixaram de sentir bem estar, simplesmente não desejavam tê-lo!
Voltando ao meu caso, esse desejo por fazer coisas se tornou mentalmente cansativo demais. Sentia que estava fora de sincronia, pois sempre me pegava pensando na próxima coisa que teria para fazer. Decidi conduzir um experimento, cortando metade da dose da bupropiona. Depois de uma semana, eu não queria fazer mais nada. Nada. Um desânimo perigosamente fora do normal. Extremamente desagradável. Voltei à dose integral e retornei à “normalidade”.
Com isso, aprendi que, de fato, a dopamina tem um efeito crucial na geração de motivação e na ânsia pela tarefa seguinte. Sinto urgência em terminar uma coisa atual para fazer outra; quando chego na outra, já estou pensando na seguinte. O que me põe em movimento, é o desejo, induzido pelo remédio, e não a recompensa. Isso não é prazeroso.
De qualquer forma, este é um caso específico. O mais importante a ressaltar neste texto, é como os remédios influenciam nas tomadas de decisões mais básicas. O mecanismo interno, automático e inconsciente do cérebro, que regula nossas vontades e desejos, é alterado por substâncias presentes nas medicações.
Podem pensar “ei, mas o remédio é para isso mesmo”. Sim, no entanto, a profundidade e extensão das mudanças comportamentais afetam os hábitos de maneiras inesperadas. O ciclo natural da criação do hábito é modificado. A ênfase é mudada de lugar. Os feedbacks sensoriais necessários sobre o que gera alegria e tristeza são restringidos á uma faixa mais estreita do espectro de intensidade. Os picos são cortados.
Se a recompensa deixa de ser o foco, e o que se recebe por ela são sentimentos e emoções “pasteurizados”, nem muito bons, nem muito ruins, perde-se em muito a capacidade de gerir corretamente os hábitos e de cultivar relacionamentos.

Conclusão
Bons ou maus hábitos são formados pelo mesmo processo básico. É fundamental a auto-consciência e percepção de cada rotina que executa, para que consiga transforma-la em um hábito saudável ou elimina-la, caso seja nociva. A notícia boa é que seu cérebro já sabe como agir, você só precisa guia-lo adequadamente.
É muito importante que só comece a tomar remédios em último caso. Parece ser a solução mais fácil, mas não é a melhor a longo prazo. Ter sua capacidade de julgar e sentir emoções alterada quimicamente é um preço muito caro à se pagar. Dito de outra forma, a descaracterização de sua personalidade e modificação de comportamentos não pode ser um meio para aplacar frustrações, sem antes ter esgotado as possibilidades das mudanças de hábitos.
Essa dinâmica do “suposto deprimido” e “psiquiatra emissor de receitas” precisa ser melhor discutida e modificada. Está muito cômoda e banalizada. Remédios e substâncias que afetam o funcionamento do cérebro precisam ser controlados e disponibilizados com mais rigor. Na minha opinião, deveria ser compulsório um prévio aconselhamento psicológico para só depois recorrer-se à antidepressivos e ansiolíticos.
Em 15 anos, passei em 8 psiquiatras diferentes, de convênios e particulares, e o resultado foi o mesmo. O que mudou foi o tempo das sessões e abrangência das perguntas. Experimentei mais de 20 remédios diferentes, com varias combinações entre eles. Da minha parte, cumpri exatamente cada etapa, perpetuando o ciclo negativo (mea culpa).
Se você está passando por dificuldades ou tem alguém da família com sintomas de depressão, não opte pela via rápida logo de cara. Esgote antes as possibilidades. Gostaria de ter tido essa compreensão na época pois, te garanto, não valeu a pena.
Este texto é apenas uma reflexão do autor. Se necessário, procure ajuda especializada de confiança.
Fonte:[1] MDsaúde