
Disfunções cognitivas e saúde mental
Pode achar o nome estranho, mas é certo que tenha uma ou mais disfunções ou distorções cognitivas, que nada mais são do que alguns padrões de pensamentos nocivos que, pela repetição, acabam parecendo verdades imutáveis, e que afetam sua saúde mental.

Conteúdo deste post
Terapia cognitiva comportamental e saúde mental
A identificação e correção das disfunções cognitivas fazem parte de um tipo de abordagem psicológica clínica, chamada terapia cognitiva comportamental (Tcc, para abreviar).
A base da Tcc é a existência de três fatores principais e interligados que moldam a forma como as pessoas pensam, sentem e agem.

Pensamento, sentimento e comportamento estão interligados e um interfere no outro. Normalmente é mais difícil mudar os sentimentos quando se tem algum problema psicológico, como a depressão ou ansiedade, por isso foca-se na alteração dos padrões de pensamento e/ou comportamento.
Na terapia, estimula-se a autopercepção e registro dos sentimentos e seus gatilhos de pensamentos e ações (ou pensamentos que acompanham determinado sentimentos e comportamentos), identificando as causas e traçando estratégias de como melhor abordar os problemas que afetem a saúde mental.
Alterando um comportamento, os sentimentos que o acompanham também mudam. Por exemplo, se adia fazer determinada coisa pelo desconforto emocional que causa, depois de realizada tal tarefa, vem um sentimento de alívio e o pensamento que não foi tão difícil quanto imaginava.
Alguns destes padrões de pensamento foram agrupados por tipo, gerando a lista a seguir:
Algumas disfunções cognitivas
Filtro mental:
Há uma visão predominantemente negativa sobre a vida. A pessoa foca nos acontecimentos ruins e ignora o que existe de positivo.
Exemplos: “fui convidado para uma festa, mas havia muitas crianças, foi uma bagunça”, “a firma só dá esses panetones fuleiros”. Ser convidado para uma festa e ganhar um panetone são ignorados ou tidos como irrelevantes.
Personalização:
A pessoa tende a atribuir culpa a si mesma nas mais diversas situações que vive, mesmo tendo pouca ou nenhuma relação com o evento.
Exemplos: “se eu tivesse dado carona, ela não teria sido assaltada no ônibus”, “ela não passou na prova porque não a apoiei o suficiente”, “depois que terminamos, ele recaiu no vício da bebida”. Não foram escolhas nem ações diretas suas. As pessoas que escolheram ou foram submetidas à acontecimentos que você não tem/teve controle. Além de se corroer pela culpa, é um tanto egocêntrico pensar desta forma.
Pensamento dicotômico:
A pessoa enxerga a vida somente a partir de duas ideias polarizadas — tudo ou nada, “oito ou oitenta” — ou seja, não tem meio termo.
Exemplos: “ou ela resolve casar comigo, ou nunca mais falo com ela”, “comigo não tem essa de beber só um pouquinho”, “ou é do meu jeito, ou pode procurar outro emprego”. Radicalização entre as possibilidades, seja por teimosia, arrogância ou medo de arriscar.

Generalização:
Transformação de um caso específico em uma regra para a vida. Após passar por algumas repetições de eventos, a pessoa com essa distorção cognitiva generaliza a realidade e passa a acreditar que ela é uma verdade absoluta.
Exemplos: “sempre chove quando vou para praia”, “ninguém liga para mim”, “meu chefe só me critica”. Estaticamente não é impossível que ocorra, mas 100% de probabilidade que todas as vezes tenham sido do mesmo jeito é improvável. Algumas vezes choveu, teve períodos que as pessoas estavam ocupadas com outras coisas e seu chefe deve ter te agradecido por algum esforço ou resultado obtido.
Raciocínio emocional:
Transformar suas emoções em fatos sobre a vida. Uma pessoa com baixa autoestima pode considerar, apenas porque se sente assim, que ninguém gosta dela e que ela é péssima em tudo o que faz.
Exemplos: “me acho tão feia com este cabelo, todo mundo me olha estranho”, “só porque gosto das coisas certas, me chamam de chato”. Não é porque se sente triste ou sem esperança, que o mundo inteiro seja assim. São mais opiniões próprias projetadas para o exterior. Uma realidade subjetiva.
Maximização e minimização:
Minimizar suas conquistas ou aspectos positivos (pensam “não foi mais que minha obrigação fazer tal coisa” ou “sorte”) e maximizar os erros e as coisas negativas que acontecem, dando mais ênfase e importância do que deveriam.
Exemplos: “tirei 9,5 na prova, como fui burro ao errar aquela questão!”, “tive uma promoção no trabalho, mas é porque não quiseram contratar outra pessoa, não por mérito meu”. Exagerar no peso dado aos eventos não é saudável e afeta muito a auto estima e saúde mental.
Catastrofização:
As pessoas com esse padrão estão frequentemente esperando o pior de cada situação que vivem. A ansiedade é muito alta, a ponto de deixarem de fazer várias coisas, afetando muito a saúde mental.
Exemplos: “o mundo está perdido mesmo, viu como tem violência?”, “não viajo de avião, não são seguros, podem cair a qualquer momento”, “fazer financiamento, nem pensar! E se perco o emprego, como vou pagar depois?”, “Melhor eu estocar bastante papel higiênico por causa da pandemia do covid-19. Vai que falta depois…”. Há um diferença bem grande entre preparação e ponderação de riscos com paranoia e medos infundados.
Leitura da mente:
Achar que sabe o que os outros estão pensando. Sem qualquer dado concreto ou evidência, a pessoa imagina o que alguém pensa ou sente a respeito dela.
Exemplos: “só pelo olhar, já deu para saber que ele quer pedir alguma coisa”, “minha cunhada parou de falar comigo, devo ter falado algo que não gostou”, “eu sou mais eu, claro que ela vai me chamar para sair”. Tomar decisões baseadas no que acha das opiniões não expressas das pessoas beira o absurdo, embora seja bastante comum de acontecer.
Conclusões precipitadas:
Premonição ou predição de futuro, que causam ideias infundadas sobre os acontecimentos que estão por vir. Parecido com a leitura da mente, mas num contexto mais amplo.
Por exemplo: “as pessoas não vão gostar dos meus posts”, “vou morrer sozinho”, “a reunião gerencial vai ser difícil, melhor me super preparar para as críticas”, “melhor eu nem tentar, não vai dar certo mesmo”. Podem causar as chamadas profecias auto realizáveis, pois teme-se ou pensa-se tanto em determinado desfecho, que as ações acabam levando para o fim indesejado.
Rotulação:
O foco não está em uma atitude isolada e sim no papel assumido, normalmente definindo adjetivos pejorativos para si ou para os outros.
Por exemplo: “ele é um inútil, incompetente”; “eu sou um fracassado”, “sou gorda e feia”, “aquela uma é galinha, sai com qualquer um”. Nada pior do que colocar rótulos em si e nas pessoas. Limita-se as possibilidades e gera preconceito.
Afirmações do tipo “deveria” e “tenho que”:
Forte autocobrança e não aceitação das coisas realmente como são. Pensamento inflexível de como deveria ser o seu próprio comportamento e o dos outros, como se nada fosse prazeroso, e sim obrigatório.
Por exemplo: “eu deveria estar estudando, terminado a faculdade”, “tenho que limpar a casa, porque hoje é o dia”, “deveria ser mais esforçado, todos são, menos eu”, “preciso fazer aquela tatuagem de qualquer forma“. Algumas coisas precisam ser feitas para manter a integridade física e necessidades básicas atendidas, mas outras são apenas ancoras, amarras às rotinas ou desejos fúteis. Pode levar à obsessão, sendo péssimo para saúde mental como um todo.
Comparações injustas:
A pessoa faz comparações irreais entre sua vida e as conquistas alheias, desconsiderando as trajetórias e habilidades individuais, causando um sentimento de inferioridade e insatisfação com os próprios resultados.
Por exemplo: “ele é mais bem-sucedido que eu”, “ela tem uma casa, eu não”, “viajam todo mês, não sei como conseguem pagar”. Cada vida é única e ninguém é feliz 100% do tempo. Cada um tem seu fardo. O que julga ser objeto de desejo, pode ser um problema ou motivo de insatisfação para a outra pessoa que possui/é/age o que inveja.
Atribuição de culpa:
A pessoa tende a procurar por culpados externos e considerar as próprias falhas como responsabilidade dos outros.
Por exemplo: “sou assim por causa da minha mãe”, “se tivesse nascido em outro país, as coisas seriam diferentes”, “abri mão da promoção para ficar mais tempo com ela e depois a ingrata me deixou”. Atribuir a culpa aos outros ou para eventos externos é a pior forma de cegueira e de lidar com problemas. Apenas com a autorreflexão e tomada da responsabilidade de tudo que acontece na sua vida é que conseguirá progressos significativos na qualidade de vida.
Conclusão:
Todos temos pontos cegos, pensamentos arraigados refletidos nos comportamentos e sentimentos que nem nos damos conta. Coisas que se percebe facilmente olhando para outros, erros que comentem e decisões equivocadas tão óbvias, mas que não enxergamos em nós mesmos, que achamos que é normal, que sempre foi assim, que não tem como mudar a realidade.
Lembre-se, realidade para nós humanos é subjetiva. É o que nosso aparato biológico faz com conjunto de experiências vividas, dando este ou aquele significado. O cérebro tem uma incrível capacidade de se reorganizar, melhor dizendo, uma neuro plasticidade que permite mudanças expressivas na forma como funciona, armazena e interpreta informações, transformando e re-significando memorias e sensações.
Autorreflexão, meditação, conversas significativas com pessoas ou profissionais qualificados da área psicológica, ajudam muito a reconhecer essas disfunções cognitivas, que nem sempre são obvias e nem andam sozinhas. Muitas se misturam em contextos diferentes, precisando de uma boa dose de humildade para aceitar o que está atrapalhando e tomar as medidas para mudanças positivas. A terapia cognitiva comportamental é uma boa forma de lidar com o assunto e cuidar da sua saúde mental.
Não chovia todas as vezes que você ia ao Playcenter.
Ressalto que as informações listadas são apenas para referência e que tratamentos adequados devem ser sugeridos e feitos por profissionais da saúde.