CRISPR Cas9 e edição genética

CRISPR Cas9 e edição genética

Uma dupla de pesquisadoras foram laureadas com o prêmio Nobel de química de 2020, pela criação e aperfeiçoamento do CRISPR Cas9. Se você não faz ideia do que seja, não gosta de ciência e odiava aulas sobre genética, bom… este post é para você também, pois a descoberta vai afetar todo o mundo e, provavelmente, não para bem. Exagero? Paranoia? Ficção científica? Leia até o fim e tire as próprias conclusões.

DNA crispr cas9
Representação de uma molécula de DNA

O que é CRISPR Cas9?

O sistema CRISPR (Clustered Regularly Interspaced Short Palindromic Repeats) (lê-se “crísper”) ou repetições palindrômicas curtas agrupadas e regularmente interespaçadas é uma ferramenta desenvolvida para edição genética. A Cas9 é a principal nuclease utilizada, que são enzimas capazes de quebrar as ligações entre os nucleotídeos, que são subunidades do ácido nucleico formadores do DNA.

Parece complicado e é complicado. As explicações muito técnicas não farão parte de post. Podem ler o detalhes na wikipedia. Somente o básico será coberto para dar contexto aos dilemas que serão expostos posteriormente.

Muito grosseiramente, pode-se chamar de uma tesoura ou bisturi afiado, que localiza e corta uma parte específica de uma sequência no DNA, muito embora não seja um processo físico, mas químico. Assim é possível fazer a manipulação e alteração em qualquer célula de organismos vivos conhecidos na Terra. Tem grande potencial de impacto nas vidas das pessoas, seja direta ou indiretamente.

CRISPR Cas9 leva Prêmio Nobel de química 2020

Os primeiros artigos sobre o CRISPR são de 2012, no entanto, o que tornou a técnica realmente rápida e barata foi o acoplamento com a Cas9, processo aprimorado pela dupla criadora do método, Emmauelle Charpentier, do Instituto Max Planck, da Alemanha, e Jennifer Doudna, da Universidade da Califórnia, em Berkeley, que lhe renderam o prêmio Nobel de química de 2020. É, de fato, um marco importante cientifica, social e economicamente. Nestes 8 anos, a técnica se espalhou pelo mundo, sendo usada por vários laboratórios de pesquisa genética.

É raro que seja concedido em um intervalo tão curto entre a descoberta e a aplicação, mostrando que realmente tem grande relevância.

Além disso, é a primeira vez que o prêmio vai para duas mulheres. Apenas 7 (já contando com elas) foram agraciadas de 1901 para cá, ano que foi criado. No mesmo período, 178 homens receberam o Nobel. Parabéns para as duas.

Nobel de química 2020
À esquerda, Emmauelle Charpentier e à direita, Jennifer Doudna

O que é e para que serve o DNA?

O ADN, ácido desoxirribonucleico (mais conhecido como DNA, do inglês: deoxyribonucleic acid) é um composto orgânico cujas moléculas contêm as instruções genéticas que coordenam o desenvolvimento e funcionamento de todos os seres vivos e alguns vírus, e que transmitem as características hereditárias.

É uma longa cadeia molecular em forma de dupla hélice, estabilizada por pontes de hidrogênio entre as bases presas às duas partes. As quatro bases encontradas no DNA são a adenina (A), citosina (C), guanina (G) e timina (T) que, ligadas ao açúcar/fosfato, formam o nucleotídeo completo.

Cromossomo e DNA
Representação do cromossomo e da dupla cadeia do DNA

A distribuição dessas bases A, C, G e T ao longo da cadeia, formando os genes, é que torna cada organismo único. O conjunto de genes formam os cromossomos, presentes nos núcleos celulares, contendo informações necessárias para criação de moléculas, células, tecidos, órgãos. Um manual de instruções, vindo dos pais ou outra fonte de material genético. Pode-se dizer são o alfabeto para escrever palavras (genes) de parágrafos (cromossomos) de uma receita (organismo). O CRISPR Cas9 encontra uma sequência das letras pré-definida.

O DNA de um humano tem o equivalente a 800MB de informações (um DVD).

Uma tesoura improvável

Emmanuelle Charpentier descobriu no mecanismo do sistema imunológico de uma bactéria, que impede a infecção por vírus, uma molécula capaz de quebrar sequências genéticas do invasor, barrando o ataque (os vírus se multiplicam dentro das bactérias até que elas estourem, liberando cópias deles para infectar as demais). A descoberta foi acidental, mas não deixa de ser extraordinária a visão da aplicação.

Em 2011, se juntou com Jennifer Doudna, que tinha experiência com RNA (que é o que transcreve a informação do DNA para formação de novas moléculas), e conseguiram uma proteína (a tracrRNA) não apenas para apagar códigos de vírus, mas também de outros organismos, servindo de base para a criação das primeiras versões do método de edição genética CRISPR. O artigo foi publicado em 2012.

Com o uso de de trechos de RNA com a Cas9, as pesquisadoras conseguiram que partes especificas de um DNA sejam identificadas, quebradas para então serem deletadas ou substituídas. A precisão e velocidade do processo é o que lhes renderam o prêmio, pois já havia outros métodos menos eficientes. Como nos editores de texto, há um “ctrl F”, “ctrl X” e “ctrl V” (localizar, recortar e colar).

CRISPR Cas9
Cortando as entranhas da vida

Fácil, mas nem tanto

O processo é apenas uma parte da tarefa da edição genética. É preciso saber qual gene causa o que, e a relação com os demais no conjunto. Apesar do sequenciamento de DNA já ser um procedimento relativamente comum (como os usados em testes de paternidade), ainda não há o entendimento claro do funcionamento como um todo.

É como se pegasse um texto antigo, de um idioma desconhecido, e tentasse lê-lo. Reconheceria-se os símbolos como letras e conjuntos formando palavras, frases e parágrafos, mas não o significado.

Além disso, soma-se o problema da quantidade de informação contida:

No caso dos homo sapiens, há 46 cromossomos, nos quais estão localizados todos os genes da espécie. O maior, o de número 1, apresenta um DNA com 250 milhões de pares de bases, enquanto o cromossomo Y, o menor, tem 50 milhões. O genoma humano apresenta 3 bilhões de pares, que representam 30.000 genes. O mapeamento foi feito, mas não a tradução para o entendimento completo.

Apesar das bases serem sempre A, C, G e T, o número e distribuição ao longo das cadeias de DNA varia de espécie para espécie. Isso torna o trabalho bastante desafiador.

Saber qual gene ativa a produção ou supressão de determinada substância na corpo é o mais complicado, precisando de muitos e muitos testes para descobrir. Com CRISPR Cas9, a tarefa de fazer a edição fica mais rápida, mas é necessário o conhecimento de que parte deve ser modificada para gerar determinado efeito.

Os benefícios do CRISPR Cas9

As motivações básicas para as pesquisas científicas na área biológica são a cura de doenças, melhoria da qualidade de vida e aumento na geração de recursos para consumo humano ou animal. Esse é o discurso padrão e politicamente correto, mas empresas e o governo não gastariam milhões ou bilhões se não houvesse alguma forma de exploração e geração de lucro. Primeiramente, segue alguns dos benefícios:

  • O uso na cura do câncer é muito promissor, pois pode suprimir a produção desenfreada de células causadoras da doença. Pode favorecer a criação de remédios específicos para determinado tipo ou, mais ainda, ser personalizado de acordo com o DNA do doente.
  • Cura de algumas doenças genéticas ou alérgicas, substituindo trechos longos de genes defeituosos.
  • Produção de tecidos orgânicos ou mesmo órgãos inteiros, através da ativação correta de células tronco.
  • Alterar geneticamente animais para a produção de órgãos para transplante em humanos que não causem rejeição.
  • Pode ser usado para trazer de volta animais extintos.
  • Pode ser usado para criar variedades de plantas mais resistentes à fungos, pragas, secas e inundações e animais de abate imunes à doenças, sem a necessidade de meios externos como pesticidas e vacinas.
  • Modificar insetos para que não sejam vetores de doenças.

Claro que boa parte disso já vem sendo feita mas, com a técnica, será muito mais rápido e preciso.

mamute, mastodonte e elefante
Este desenho mostra um mamute-columbiano, um elefante africano e um mastodonte americano (de trás para frente), ao lado de um humano de 1,80 m de altura. (Ilustração: Velizar Simeonovski). Fonte BBC

Brincando de deus?

Uma revolução vem pela frente. As patentes são bilionárias, dado o alcance e potencial, e muitos interesses políticos e econômicos estão envolvidos. O mesmo se poderia dizer sobre o domínio da computação quântica. Quem sair na frente, terá imensas vantagens competitivas.

O problema reside nas aplicações e consequências nocivas que poderiam causar. Jennifer Doudna foi co-autora de um livro tratando do assunto (A crack in creation – ou, uma rachadura na criação, em tradução livre), onde aborda, além dos usos, os problemas éticos envolvidos.

As alterações impostas ao planeta pelos humanos são inegáveis. No entanto, os meios usados são rudimentares, baseados na destruição e descarte de substâncias nocivas. Se diminuir as emissões de gases poluentes e reflorestar áreas devastadas, a natureza consegue se recuperar.

Agora, com popularização do CRISPR Cas9, corre-se o risco de mudanças mais sutis e profundas, com impacto mais incerto. O longo processo de seleção natural, adaptação e simbiose das criaturas e plantas terrestres pode ser interrompido e alterado numa escala de tempo muito rápida. Como prever ou simular o que uma simples mudança genética pode impactar no todo? Covid-19 veio à mente?

Segue uma lista de possíveis dilemas:

  • Manipulação genética para escolha de cor da pele, olhos, cabelo. Filhos customizados de acordo com o desejos dos pais. Pode ser uma variante da eugenia buscada pelos nazistas, onde pretendiam ter uma raça pura.
  • Criação de super-humanos, com capacidades cognitivas e físicas superiores, imunes à doenças e com período de vida estendido. Seria do interesse das elites que todos tivessem acesso á esse benefício? Não. Uma minoria (rica) se tornará uma nova espécie.
  • Além disso, se todos viverem mais, será necessário mais recursos naturais para a sustentação de uma crescente população, causando mais danos ao meio ambiente, gerando mais problemas que soluções para a vasta maioria das outras espécies.
  • Criação de clones, completos ou parciais, para transplantes. Um estoque vivo de peças sobressalentes.
  • Criação de super-soldados, mais suscetíveis a seguir ordens, menos empáticos, mais agressivos e com menor sensibilidade à dor ou intempéries.
  • Criação de armas biológicas mais seletivas e mortais, que poderiam atingir apenas determinado grupo étnico, ou destruir plantações inteiras que usem determinado tipo de semente.
  • Introdução de novos organismos no bioma, podendo causar desbalanceamentos imprevistos e danosos.
  • Apesar de regras regulatórias, laboratórios clandestinos ou secretos, mantidos por bilionários ou pelo próprio governo, podem fazer o uso do que bem entenderem. Há muitos cientistas que preferem dinheiro do que fama publicando artigos por canais oficiais.
  • Que rico não gostaria de ter sua saúde restaurada? Se importaria em gastar parte de sua fortuna para curar algum ente querido? Não. Se importaria com consequências futuras? Provavelmente não.
  • Se há a possibilidade de um país criar uma super raça ou ter uma vantagem competitiva qualquer, não é do interesse de outras nações tentar o mesmo? Não seria uma questão de sobrevivência?
  • Pressões e lobby de investidores pode fazer com que alimentos modificados e medicamentos sejam liberados para consumo geral sem ter o devido entendimento das implicações e consequências à longo prazo, na saúde e meio ambiente.
engrenagens
Mexeu com uma, mexeu com todas?

É motivo de preocupação?

Não deve ser motivo de preocupação específica com CRISPR Cas9 pelo simples fato de não termos controle sobre quais aplicações serão usadas. Outros métodos menos eficazes já estão em uso à décadas. Os paranoicos de plantão podem ficar de orelha em pé e se engajar em grupos para protestar ou fiscalizar regulamentações mas, no fim das contas, quem tem o dinheiro e poder faz acontecer de algum jeito.

Certas coisas já estão acontecendo e outras parecem sair de filmes de ficção científica, no entanto, a ameaça é real. Já há a polêmica sobre a produção de soja, milho e trigo transgênicos: seus efeitos na saúde, nos animais, insetos e ciclo normal de outras plantas; nos pequenos agricultores que não podem comprar e concorrer com as sementes modificadas; nas grandes corporações que mantêm o domínio do que antes era de livre acesso para todos.

Os causas reais de possíveis problemas podem permanecer ocultos, cobertos com explicações forjadas e disseminadas como verdade. Não dá para ter certeza. O fato é que, para grandes descobertas publicadas como a do CRISPR Cas9, há muito mais acontecendo sem que saibamos. É bom ficar de olho.


E então? Exagero? Paranoia? Ficção científica? Comente.

Fontes: The Wall Street Journal, Objetivo, wikipedia

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