
Antenor, o otimista
Não gosto de pessoas otimistas. Parecem estar em outra realidade. Para elas, tudo está bom, sempre tentando enxergar o lado positivo de qualquer evento. São irritantes. Está é a estória de um otimista, o Antenor.

Otimista na Caixa
O Antenor estava na fila da Caixa, para sacar os R$600 do auxílio emergencial. – Hah – ele pensou – chegou o dia! – Estava sem emprego fixo, vivendo de bicos fazia um tempo. Quase a vida inteira, para ser mais preciso.
Na fila, com a máscara no pescoço, porque embaçava as grossas lentes dos óculos, tentava puxar assunto com as pessoas ao redor, mas sem sucesso:
-Tá frio hoje, né? – sem reposta.
– E o vírus, hein? Que coisa, né rapaz! Veio da China, sabia? – também ignorado.
Mas para ele estava tudo bem. Depois de um tempo engatou uma conversa com uma senhora. Ficou conversando, argumentando animadamente, até perceber que a mulher estava falando no celular e não com ele. Deu uma disfarçada, olhou para o lado e ficou quieto por um tempo. Logo tentava de novo: – E o curintians? Vai ou não esse ano?
Finalmente chega sua vez. Pega um papelzinho com o número da senha na carteira grossa, no meio de um monte de documentos, cartões de crédito e boletos, e saca o dinheiro. – Ah, o dinheiro-. Fazia tempo que não segurava tanto nas mãos. Sentiu-se o máximo, que aquele era seu dia, seu dia de sorte. Resolveu comemorar. Naquele dia o Antenor ia se esbaldar. Tinha alguma coisa importante para pagar, mas esqueceu, ou não quis lembrar.
Entrou no seu Uno 95, tirou a trava do volante e ligou o carro. Pelo retrovisor viu a fumaça branca e pensou: – É, um dia desses preciso mandar fazer o motor da minha máquina. – Aproveitou para ajusta-lo, fazendo balançar a fitinha de nossa senhora, um terço enrolado e um grande par de dados de pelúcia, meio encardidos.
Otimista na farmácia
Antenor tinha um plano. Parou numa farmácia e pediu para o atendente, quase sussurrando:
– Meveumazuzinho.
– O que? – Respondeu o balconista.
– Meve umazuzinho.
– Senhor, não estou entendendo, fale mais alto.
– Me vê um azuzulzinho – fala o envergonhado Antenor.
– Ah, o senhor que um Viagara?
– Shhh, fala baixo menino – vermelho e suando, dando um sorriso amarelo para a senhora ao lado. – É para o meu pai – disse ele, mentindo.
Perto do caixa, lembra-se de outra coisa importante: camisinhas! Mas não queria qualquer uma, não naquele dia. Escolheu cuidadosamente a com sabor menta. – Menta é bom para a garganta – pensou.
Para pagar, tirou orgulhosamente uma nota de R$100 da grossa carteira que guardava no bolso da camisa, junto com um pente marrom, e diz para a atendente: – É para meu pai.
Otimista no boteco
Parou no boteco do Tião, para tomar uma dose antes de partir para seu objetivo final. Entrou falando:
– ‘taardi! – para todos e para ninguém, e sem resposta. O melancólico Tião, viu com o canto do olho quem era e voltou-se para o televisor de tubo num canto imundo do teto.
– E aí Tião, como estão os negócios? – diz um animado Antenor, querendo parecer um empreendedor, não se tocando que o bar estava vazio.
– Vai beber o que? – Responde Tião, curto e grosso.
– Hoje vou tomar um forte! Me vê um “conhacão” – brada orgulhosamente.
– Tem dinheiro? Não vou vender fiado para você de novo…
– Opa! Recebi os seiscentão do nosso presidente. Tá aqui ó – dando tapinhas na carteira grossa no bolso da camisa.
Tião serve um Dreher num copo sujo. Antenor finge que não repara, tomando numa talagada:
– Ahhh, desce macio e reanima. Deu duro, tome um Dreher – disse rindo, repetindo os antigos bordões dos comerciais, sentindo de imediato o fogaço no estômago. – Melhor eu comer algo – pensa.
– Esse salgado é novo? – apontando para um solitário, murcho, oleoso e frio bolovo.
– É dessa semana – responde um impaciente Tião.
Antenor dá uma mordida empolgado, mastigando bem, depois diminui o ritmo, após sentir o gosto. – Me dá mais um conhaque. Vou precisar – diz, parcialmente saciado, mas contente.
– Sorte minha! Era o último salgado, hein Tião?
Tião sem troco, entrega umas balas de menta no lugar.
– Hum, menta é bom para a garganta- diz um meio contrariado Antenor, mas feliz com a coincidência – escolhi certo – pensa.
Otimista na boate
Meio tonto, Antenor sai atrás de um lugar para conseguir o que desejava: uma mulher. Naquele dia queria aproveitar a vida.
Roda por umas quebradas até achar um, com nome em inglês e umas luzes de neon e leds piscando.
– Pa-ra-di-se – soletra, não entendendo direito – para-dise, Paradise. Isso, Paradise – comemora por ter dito uma palavra em inglês.
Ao entrar, solta seu “ ‘taaaede”, mas o segurança ignora, fazendo um rápida e displicente revista.
– Ô chefia, vou ficar armado só depois – tentando ser engraçado, sendo fulminado pelo olhar do entediado segurança.
Ao entrar, seus olhos demoram um pouco a se acostumar com a penumbra do lugar. Havia fumaça e cheiro forte de cigarro, bebida e perfume barato que fizeram sua cabeça girar por um instante. – Conhacão forte aquele um – pensa.
Da uma breve passeada pelo lugar, cumprimentado um, cumprimentando outro, com variações de “opa”, “blz”, “e aí?”, sem resposta.
Senta num banco perto do balcão de bebidas e pede uma cerveja.
– R$25- responde impacientemente um balconista magro e amarelento.
– Eu quero uma cerveja, não uma caixa – diz Antenor, rindo desajeitado.
O magrelo bota uma latinha de skol no balcão e repete – R$25- em um tom que não deixa margens para discussão.
Antenor tira relutantemente a grossa carteira do bolso da camisa, deixando cair o pente. Abre-a displicentemente de forma a revelar, para olhos atentos, o dinheiro ali contido.
Otimista na conquista
Depois de um curto período de tempo, surge uma pessoa ao seu lado, dizendo – Oi, tudo bem, gatoh? – de maneira afetada.
Antenor corou. A bebida, a escuridão, fumaça, seus desejos carnais e o maldito otimismo nublaram seu julgamento, acreditando que era a mais linda das mulheres que o elogiava.
Confuso, tentou ser galante e educado:
– Oi moça, qual é a sua graça?
– Antonio – obteve como resposta.
– Tonia? Bonito nome. Sou o Antenor de Souza – fingindo ter ouvido errado.
– Ah, que lindinho… tá sozinho hoje? Não quer companhia? – disse maliciosamente o/a o que fosse.
Surpreendido com a objetividade, respondeu vacilante:
– É… companhia é bom, né? Digo, assim, de ficar junto, de abraçar, não ficar só conversando…
– Bobinho, quem disse em conversar?
Antenor não acreditava: a mulher mais linda do mundo, querendo ficar com ele, assim tão rápido e fácil. Era seu dia de sorte mesmo
– É, a gente podia ir para outro lugar, né? Mais reservado, né? Pra gente, ficar mais à vontade, né? – numa repetição irritante de “nés”.
– Eu conheço um lugar, é perto daqui. Eu te mostro. Lá a gente pode ficar bem à vontade – passando a mão no rosto do incrédulo Antenor. Estava nas nuvens.
– Tô de carro – falou Antenor, tentando impressionar.
Otimista no volante
Teve dificuldades para abrir a porta. Mais ainda para tirar a trava. Suava e estava vermelho; tonto e com leve dor de barriga.
Tira do banco do passageiro uma pastinha com uns currículos velhos, cópias de documentos e receitas médicas, dando lugar para Tonia.
– Aí que lindo, adoro essas coisas – disse enquanto brincava com o par de dados do retrovisor, para o deleite de Antenor – hoje meu dia de sorte! – lembrou.
Tonia foi indicando o caminho. Antenor não fazia ideia de onde estava.
No percurso, um breve alerta surgiu no ar, com som e cheiro bem característicos.
– Se não foi você fui eu – disse Antenor, tentando ser engraçado.
– Mano, cê tá podre? – obteve de resposta, com a Tonia esquecendo de manter a “voz de trabalho”, falando mais grosso que o Antenor. Tentou abrir o vidro, mas a manivela saiu na sua mão.
– É, minha máquina tá precisando de uns consertos, mas anda bem. – disse um encabulado Antenor, apressando-se para ligar o “ar”. E era só ar mesmo, com poeira, folhas e cheiro de mofo. Os dois tossiram, enquanto ambos tentavam desligar o maldito ar.
– São Paulo é brabo, né moça? Poluição danada. Quer uma bala de menta? Faz bem para garganta.
Tonia negou, mas Antenor quis pegar uma no bolso da calça e quase bate o carro. A bala de troco de Tião estava mole e grudenta.
Finalmente chegaram – É ali gatoh, naquele portãozinho vermelho.
Otimista no hotel
A rua era estreita, sem calçada, com lixo espalhado pelo chão, com casas e sobrados mal acabados. O portãozinho era do que parecia ser um prédio baixo, e dava acesso à uma escada estreita e mal iluminada.
– Quem mora aqui, moça? – Perguntou um ofegante Antenor, enquanto subia os degraus.
– É de um amigo meu. Ele me deixa ficar aqui quando eu preciso. Vem, eu te apresento.
Chegaram no que parecia ser uma recepção. Tonia apressou-se para falar com um gordo que estava atrás do balcão. Cochicharam e riram. Antenor riu também, mesmo sem saber do que se travava.
– Gatoh, é o seguinte – disse Tonia, com a voz mais afetada ainda – meu amigo me disse os quartos estão ocupados, mas como eu disse que você estava comigo, ele vai arrumar um para a gente, só que tem que pagar R$100.
Antenor pensou um pouco, olhou para os lados, para as paredes descascando, luzes fluorescentes piscando, pessoas pelos cantos soltando fumaça e concluiu – Que bom esse seu amigo foi com a minha cara.
Antenor estava tonto, barriga doendo, e uma água azeda subindo na garganta devido a bala mole do Tião, mas estava feliz. Até agora, o dia estava dando tudo certo. Ia finalmente ter seus momentos de prazer com a mais linda das moças.
Abriram uma porta velha estufada, entrando no quarto. Um cheiro hediondo de mijo e merda barrou os dois por um instante. Tonia pegou Antenor com a mão, obrigando-o a entrar. No esforço, soltou outro peidinho. Esfregou o pé no chão – esse sapato faz uns barulhos estranhos de vez em quando – tentando disfarçar.
Acenderam a luz e viram o restante do quarto. Um banheirinho, só com o vaso e um chuveirinho, descobrindo de onde vinha o cheiro, uma mesinha velha e uma cama com lençóis encardidos. Estava dobrado de forma a parecer um cisne, mas ficou só na intenção. Havia uma cortina, mas não janela. Antenor achou graça no capricho.
Otimista com a GP
Finalmente chegou a hora, mas quando ia se aproximando, Tonia disse:
– São R$100, adiantado.
Antenor não entendeu – eu já paguei R$100 para o gordão – disse, confuso.
– Não, bobo, aqueles R$100 foram pelo quarto. Outros R$100 são pelos meus serviços.
– Serviço? Serviço do que? – repetia um atônito Antenor.
– Gatoh, eu sou pró! Sou GP!
– Gepê? Não disse que era Tonia?
– GP, gatoh! – disse impacientemente – garota de programa.
Aquilo pareceu tê-lo atingido. Parou um tempo, pensando. Finalmente disse:
– Quer dizer que eu posso fazer tudo?
– Tudinho!
Antenor ficou doido, empolgado. Estava com sorte. Naquele dia ia se esbaldar. Tirou da carteira mais uma nota de R$100 – ainda bem que vim preparado – pensou. Pôs na mesa óculos, o celular que ficava preso no cinto, o chaveiro com umas 20 chaves e o azulzinho. Não ia precisar ainda.
Otimista na intimidade
Meio sem jeito abraçou Tonia, que lhe deu um beijo. Antenor sentiu a pele grossa do rosto, como se fosse barba. Não tinha percebido ainda. Estava cego pela sua musa. Em um aperto mais forte, soube. Sentiu um volume onde não deveria ter. Afastou-se, assustado.
– Você tem pinto? Você é daquelas mulheres com pinto? – disse, fazendo a pergunta errada.
– Não bobinho, sou homem mesmo, tirando a peruca.
Antenor sentiu-se traído: – Você disse que seu nome era Tonia. Tonia é nome de mulher.
– Não, não. Eu disse Antônio, você que entendeu errado. – disse, rindo.
Antenor ficou congelado por um tempo. A empolgação dele colapsou por um instante. Seria esse o dia que seu otimismo falharia? Fez suas contas, imaginou cenários. De repente, disse:
– Só não aponta esse negócio para mim! Não sou gay, não!
Chegou à conclusão que já havia gastado o dinheiro, que não o conseguiria de volta, que era seu dia de sorte, que ainda podia ter seus momentos de prazer – Tô bêbado mesmo… – pensou, como provável desculpa.
-E põe de volta a peruca.
Tonia riu e falou: – vem cá meu gatoh!
Um minuto depois, Antenor estava satisfeito, como cara de bobo. Tonia recusou a camisinha de menta oferecida, mesmo com o incentivo de que “faz bem para a garganta”.
– Credo, mas já gatoh? Achei que a gente fosse brincar mais – disse Tonia, desapontada.
Antenor pensou que não podia fazer feio. O que a Tonia ia pensar da masculinidade dele? Aí se lembrou.
– Tenho um azulzinho!!! – celebrou, se apressando para toma-lo.
Otimista no banheiro
Nesse ponto as coisas começaram literalmente a desandar e o que aconteceu depois ele jura que não se lembra.
Saciada uma vontade, agora estava com outra, mais imperiosa. Precisava cagar, estava tonto e a água do chuveirinho que bebeu para engolir o comprimido não caiu bem.
Tinha vergonha de cagar em público. Não queria faze-lo, na presença da Tonia (convenceu-se da mentira de que “ele” era “ela”). Mas não tinha jeito. Pediu licença e levantou-se da cama, bambeando e pisando devagar para não apressar as coisas antes da hora. Estava sem seus óculos e tudo girava.
O biombo do banheiro era fechado com uma meia porta. O piso molhado, sabe-se lá com que; a latrina, com a tampa quebrada, estava encardida. Pelo conteúdo, parecia não ter água para a descarga; o cesto de lixo estava transbordando com papel higiênico cinza e marrom. Mas nada importava mais. Baixou o cuecão frouxo e laceado e descarregou. E descarregou mesmo. Segunda onda de prazer do dia. Esqueceu-se de tudo. O que importava era estar ali, aliviado, no seu dia de sorte.
Enquanto parte do corpo relaxava no vaso, outra se movimentava. O azulzinho fazia efeito.
Aí se pegou em um dilema. Como se limparia para o segundo round com a Tonia. Não podia ir cagado. Procurou pelo papel, e nada. Fuçou no cesto para tentar achar algum pedaço limpo, mas era pouco, não ia dar conta. Tinha que usar o último recurso: limpar com o cuecão.
Estava numa situação inusitada: só de meias (molhadas), barrigona protuberante, abaixo dela, mas sem poder ver diretamente, sabia que estava armado e perigoso, e o cuecão na mão. Deu uma passada, mas parece ter mais espalhado do que limpado. Dobrou e repetiu o processo. Não estava dando certo. Foi aí que percebeu que podia ter usado o chuveirinho e passado o cuecão para finalizar. Mas já era tarde, o estrago estava feito.
Otimista na batida
Nisso, as coisas pareceram ocorrer em câmera lenta. Ouviu barulhos, porta sendo arrombada, palavras de ordem por todo lugar, ecoando nos corredores. Um policial abre a porta do banheiro, com uma arma na mão, vendo um assustado Antenor cobrindo a sua “arma” com o cuecão sujo. Que situação!
Viu Tonia, sem peruca, saindo algemada, conduzida por um policial. Antenor foi ordenado a vestir suas roupas. Mesmo para policiais experientes, aquilo era chocante demais. Vestiu as calças sem o cuecão e ainda sujo. Sentia que faltava muito ainda para limpar, confirmado quando se sentou para calçar os sapatos, usando as meias molhadas.
Não estava entendendo, ele era um cidadão do bem, pagava os impostos, só tinha umas contas atrasadas, mas não era um criminoso. Só queria se esbaldar, ter seu dia feliz. Afinal, era seu dia de sorte.
Estava tonto e não falava nada com nada – Cadê a chave da minha máquina? Ele disse que se chamava Tonia! É culpa é do azulzinho, não tô gostando da situação não! Minha carteira? Cadê minha carteira, recebi os seiscentão do presidente! Tião, se eu te pego!
Antenor se debatia e os policiais não queriam chegar muito perto dele, dadas as condições fisiológicas causadas pelo azulzinho e devido o cheiro forte que exalava. Foi colocado desajeitadamente no camburão, sob protestos veementes dos outros presos – não! Aqui não, ele tá todo cagado! Socorro! – E bateu a cabeça.
Otimista na delegacia
Acordou deitado no chão de uma cela, meio isolado dos demais, com uma terrível dor de cabeça de ressaca, com um gosto horrível na boca e um desconforto na sua parte traseira. Outros presos riam dele, sem entender o motivo da troça. Sentou-se no chão, começando a recuperar os sentidos. Sentia-se sujo, roupa grudando no corpo, pés frios e úmidos. Bateu a mão no bolso e sentiu algo. Era a única coisa que possuía ali, uma bala de menta. – Oh, que sorte! Bom para tirar o gosto ruim da boca e faz bem para a garganta – pensou.
Tentou puxar conversa com os presos: – E o curintians, vai ou não vai esse ano? – Recebeu um “cala boca, cagão!” e baixou o faixo. A cabeça latejava, estava cagado de fato e não tinha noção do porquê estava preso, do que tinha feito e nem o que tinha ocorrido horas antes.
Tempos depois, um guarda chamou:
– Quem é Antenor de Souza? Sua mãe pagou a fiança.
O guarda não precisava ter dado detalhes, mas fez de maldade, pois os presos não perdoaram:
– Vai lá filhinho da mamãe! Mamãe veio limpar sua bundinha? – e outras variações com palavrões e convites para a mãe vir até a cela. Que fariam o mesmo que fizeram com ele. – Fizeram comigo? – pensou sem entender.
Na recepção, Dona Guiomar o esperava:
– Ai, Antenor, graças-a-deus! Você quase mata a mãe de susto! Eu preocupada pensando que você tivesse sofrido um acidente, que tava no hospital. Sorte sua que o delegado é cunhado da prima da Zuleide, sabe? Aquela que corta o cabelo da mãe? Então, ele te liberou. Falaram que você tava envolvido com tóxico, tendo relação com travesti, aí eu falei – ‘magina, meu Antenor não é dessas coisas, onde já se viu? – E olha sua calça, tá todo cagado! Se eu soubesse tinha trazido uma muda de roupa. E cadê sua máscara? Não é gripezinha não…– A mulher não parava de falar.
– Não mãe, tá tudo bem, graças-a-deus. Devem ter me confundido com outra pessoa – mentiu.
Otimista com o delegado
O delegado fez questão de entregar os pertences ao Antenor:
– Você que é o Antenor, então? Tá todo mundo falando de você aqui no DP… Tonia, hã… a noite foi boa para você? – disse, em tom intimidador e sarcástico.
– Tonia? – lembrou-se, de repente – Ela está bem? Nem peguei o telefone dela – ainda sustentando a mentira de que “ele” era “ela”.
– A sua “Tonia” é o procurado Waldemiro “pé de mesa”, psicopata e assassino. Gosta de brincar com suas vitimas antes de mata-las. Você tem sorte de estar vivo. Me pergunto porque foi poupado…
– Acho que ontem foi meu dia de sorte mesmo – respondeu, não acreditando que sua Tonia era aquilo tudo que ele falou – nem a conheceu – pensou.
Pegou os óculos, com uma lente rachada – Ainda bem que não quebrou – falou.
Pegou a carteira, sem dinheiro dentro – ufa, meu cartão da Rener tá aqui. – Suspirou aliviado.
Pegou o chaveiro. – Cadê a chave da minha máquina? – disse em tom de desafio, esquecendo por um instante com quem estava falando.
– Sua “máquina” foi apreendida porque tem dez multas, pneus carecas e lanternas quebradas. Vai ficar um bom tempo no pátio.
– Aí, quase você me mata do coração. Pensei que tivessem roubado. Depois volto para busca-la – como se fosse ter dinheiro para pagar.
Antenor ia virando as costas, quando o delegado disse:
– Não está se esquecendo de nada?
– Ah, meu celular. Que cabeça a minha. Obrigado.
– Não é isso. Não quer saber porque foi preso? Ou porque foi liberado? – questionou o delegado.
– É, me confundiram com outra pessoa? – disse, sem firmeza.
– Não amigo. Você não pagou a pensão alimentícia. De novo. Só vou te liberar por causa do covid e porque os presos estão reclamando do seu cheiro. Não quero rebelião aqui.
-Ah, sabia que tava esquecendo de alguma coisa, só não sabia o que era. A Marluce vai ficar uma fer… – foi interrompido pelo delegado.
– Tá, agora suma daqui, antes que eu mude de ideia. E tome um banho, pela-mor-de-deus, cidadão.
Enquanto sua mãe tagarelava, Antenor pensava: – puxa, ainda bem que eu estava cagado. Bendito seja o salgado do Tião. Mês que vem tem outros seiscentões. Próxima vez farei tudo direito: nada de mulher com pinto.

Otimista escrevendo
Chegou até aqui? Ótimo, que bom!
Otimistas são assim, sempre tentam ver o lado bom das coisas, mesmo quando estão literalmente cagados.
E você, é otimista como o Antenor? Comente.